A Congada de São Benedito

A Congada de São Benedito

Congada de São Benedito em Ilhabela na década de 1930

Ritual que se recria há mais de duzentos anos, a Congada de São Benedito é a maior manifestação cultural de Ilhabela e tem como cenário as ruas do seu centro histórico, conhecido como “Vila”. Com forte influência africana bantu, a Congada é uma apresentação teatralizada com falas, danças, ritmos e cantos que narram uma desavença entre dois grupos.

De um lado, vestidos de azul, estão os fidalgos do Rei de Congo, que são os congos de cima, considerados “cristãos”. De outro, vestidos de vermelho e rosa, os mouros do exército do Embaixador de Luanda, que são os congos de baixo, tidos como não batizados ou “pagãos”.

 

Disputa pelo trono do rei

Conta a tradição que o Rei de Congo se apaixona por uma mulher do povo e a engravida. Desesperado para que a rainha não saiba, pede a plebeia que deixe a cidade. Ela vai embora para Luanda e lá tem seu filho, que se transforma no Embaixador da cidade. Ele forma um exército de mouros e segue para o Congo em busca do que considera seu direito: o trono do Rei. Quando chegam lá, o reinado estava festejando o dia de São Benedito. Começa, então, a guerra. Além de os mouros lutarem pelo trono do Rei, também querem participar da festa em homenagem a São Benedito.

Manoel Ciríaco como rei do Congo – década de 1940

Ensaio da Congada -  Década de 1930 / Foto: Waldemar Belisário

Ensaio da Congada –  Década de 1930 / Foto: Waldemar Belisário

Três bailes, uma batalha

Há três “bailes” que ocorrem ao som de atabaques e marimbas de madeira. O primeiro deles é chamado de “Roldão” ou “Macambá”, uma cantiga dos congos de baixo quando chegam para guerrear. O segundo é o “Alvoroço”, “Jardim das Flores” ou “Baile Grande”, onde acontece um embate bastante violento. O terceiro baile é o de “São Mateus”, em que o Embaixador é preso duas vezes enquanto os mouros lutam para que ele conquiste o trono. Ao final, o Rei o aceita como filho, lhe dá a bênção e todos os congos celebram São Benedito em paz.

 

Ensaio da Congada em frente da Igreja São João - década de 1930 / Fonte: arquivo pessoal
Ensaio da Congada em frente da Igreja São João – década de 1930 / Fonte: arquivo pessoal

A tradição em Ilhabela

Por volta de 1785, o escravizado Roldão Antônio de Jesus chegou da África no porão de um navio negreiro, desembarcou em Castelhanos e foi vendido para a fazenda Morro do Espinho, no Bairro da Cocaia. Tornando-se devoto de São Benedito, Roldão difundiu sua crença e deu início ao que hoje é uma das maiores riquezas culturais da cidade.

 

Congueiros tomam a benção aos pés de São Benedito / Foto: Maristela Colucci
Congueiros tomam a benção aos pés de São Benedito / Foto: Maristela Colucci

Promesseiros, fiéis congueiros

Todos que participam da Congada o fazem por promessas suas ou de seus familiares. Os congueiros se dizem “promesseiros”, se consideram “escravos” de São Benedito e nunca se apresentam em outra ocasião, a não ser a festa em sua homenagem.

 

Levantamento do mastro

O levantamento do mastro, que marca o início dos festejos, era feito nove dias antes da celebração, pois também marcava o início da novena de São Benedito. Hoje, o mastro é levantado no primeiro dia da festa, sexta-feira e há um capitão do mastro, cuja responsabilidade é prepará-lo, fixá-lo e retirá-lo depois da festa. No dia do levantamento, o mastro é todo enfeitado com flores para São Benedito, acontece a procissão do mastro pelas ruas da Vila, ao som da marimba e dos atabaques, ao repicar dos sinos e sob foguetório.

É crença entre os ilhéus que, olhando o hasteamento da bandeira e fazendo um pedido, ele será atendido. Ao final, é servida a “concertada”, bebida típica de Ilhabela, uma espécie de licor feito à base de folhas de laranjeira e limoeiro, canela e cravo socados, rapadura e um bocadinho de cachaça.

Congueiros carregam o mastro decorado / Foto: Marcio Pannunzio
Congueiros carregam o mastro decorado / Foto: Marcio Pannunzio

Ucharia

O termo “ucharia” significa “despensa da casa real” e remete ao lugar onde é tradicionalmente oferecido o almoço, todo feito a partir de doações de alimentos, servido aos congueiros, festeiros, familiares e toda a comunidade durante os dias da Festa de São Benedito. Todos os que chegam, comem na Ucharia. A ligação da fartura com São Benedito é estreita. No Brasil, é um dos santos mais reverenciados e está presente em muitas cozinhas.
Antigamente, era costume doarem porcos, aves e até bois, quando havia criação nos quintais e terreiros.
Ainda hoje, a Ucharia mantem a tradição de usar os fogões “tacurubas” (do tupi Itacuruba), onde são assentados panelões sobre três pedras soltas.

Ucharia na década de 60, comandada pela família Esperança / Foto: Acervo Pessoal

A marimba da Congada de São Benedito

A marimba da Congada de São Benedito tem mais de 200 anos / Foto: Maristela Colucci

A marimba, de origem bantu, é o principal instrumento da Congada. Também conhecida como marimba-de-guerra, cabaça ou caracaxá, a marimba da Congada de Ilhabela possui mais de 200 anos.
O instrumento possui uma série de seis tabuletas finas, também chamadas de teclas, feitas de madeiras diferentes, escolhidas pelo som que produzem. De acordo com o rei Neco, as madeiras das tabuletas seguem a seguinte ordem: canela, peroba, araribá, canela preta, jacataúba e canela. Cada tecla ou tabuleta é presa num arco de aia, uma madeira típica da Mata Atlântica, chamado “guaracipó”, por cordões de couro, e são acompanhadas por uma cabaça de tamanho médio, que ajuda a propagar o som.

Os atabaques

Os atabaques eram de formas e dimensões diferentes, na característica de tambor cônico, revelando a influência da cultura africana ioruba. Atualmente, os atabaques tem a forma semelhante a das congas. São conhecidos como o “grande” e o “pequeno” e são pintados à mão de azul e vermelho em listras verticais.

 

Fonte: Fundaci / Texto escrito por Camila Prado
Fotos antigas retiradas do livro “Memórias de Uma Ilha”, de Caio Camargo